Vol. 14 (Supl 1)
- Controle do câncer: novos horizontes
Diogo A. V. Ferreira
Ana P. da Silva
Kátia R. X. da Silva
Disciplina de Patologia Geral. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Recebido em 03/06/2015.
Aprovado em 15/07/2015.
INTRODUÇÃO
O câncer representa uma importante causa de mortalidade e morbidade mundial, com aproximadamente 14 milhões de novos casos e 8 milhões de mortes no ano de 2012.
1 Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) mostram uma incidência de mais de 576 mil casos no Brasil nos anos de 2014 e 2015, representando a segunda causa de mortalidade nacional.
2 Embora diversos avanços tenham ocorrido no campo do conhecimento, revolucionando métodos diagnósticos e propedêuticos, tal fato não foi seguido por importante redução do peso do câncer no perfil epidemiológico das populações.
Resultado de complexos mecanismos biomoleculares, a gênese tumoral é multifatorial, envolvendo diversos elementos classicamente reconhecidos como importantes fatores de risco. Desde os estudos iniciais que buscavam uma etiologia para o câncer, diversos destes fatores já foram listados, tornando-se importante foco para controle destas doenças. Identificar e atuar diretamente nestes elementos, através de técnicas de prevenção ou do diagnóstico precoce, representa a tática mais eficaz para o controle do câncer. Sabidamente, é o que menos onera o sistema de saúde, tem menores custos, é menos prejudicial ao paciente e mais racional sob o ponto de vista epidemiológico. Neste cenário, é de fundamental importância a atuação do profissional de saúde, em especial do médico, que inevitavelmente lidará com pacientes oncológicos independentemente da especialidade de atuação.
3
A importância da formação médica no controle do câncer, no Brasil, ganhou ainda mais destaque com a criação das Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Medicina.
4 Tal resolução preconiza uma formação generalista, a adoção de uma postura humanista e reflexiva, focada nos problemas mais comuns relacionados à realidade epidemiológica e profissional, e uma abordagem do paciente como sujeito integral, sob a ótica biológica, psíquica, social e ambiental.
4 Assim, espera-se que os currículos forneçam aos estudantes conhecimentos para a realização do diagnóstico, prevenção, rastreamento, tratamento, acompanhamento e cuidados paliativos dos pacientes oncológicos.
5,6,7 Sendo uma área multidisciplinar, os conteúdos da cancerologia são muitas vezes ministrados de forma fragmentada ao longo das diversas disciplinas durante o curso de medicina. Essa fragmentação prejudica a construção do conhecimento, a compreensão integral e complexa das doenças neoplásicas, o que se traduz na formação deficitária, principalmente em relação à prevenção e rastreamento do câncer.
Neste sentido, não raro, fica a cargo dos próprios estudantes identificar lacunas na formação acadêmica e buscar espaços, recursos e estratégias que preencham essas lacunas, com vistas a adequar-se às exigências sociais e profissionais. Essa busca é desejável por ser fruto do interesse em ampliar conhecimentos e melhorar a qualidade da formação profissional. Porém, não se pode dizer que essa é uma ação adotada por todos os estudantes em igual intensidade ou com a mesma acurácia.
Rosário e colaboradores
8 argumentam que o sucesso acadêmico no ensino superior está relacionado com a capacidade de autorregular a aprendizagem (
self-regulated learning - SRL) e persistir na busca por resultados que satisfaçam expectativas de formação acadêmica e profissional de qualidade. No caso dos temas relacionados às doenças neoplásicas, a busca autônoma pela apropriação dos conhecimentos se torna essencial, tendo em vista as restrições curriculares.
Em linhas gerais, a autorregulação é um processo através do qual o sujeito estipula metas, planeja e se dispõe a alcançá-las, através da utilização de estratégias conscientemente eleitas para tal. Durante todo o percurso, o sujeito faz avaliações constantes do processo, com vistas a monitorar se o caminho que está seguindo é o mais adequado para atingir os objetivos propostos.
8,9,10
As Ligas Acadêmicas (LA) são entidades primordialmente estudantis caracterizadas pela iniciativa de um grupo de alunos em estudar e se aprofundar em determinado tema frente aos problemas de saúde da população. Uma LA é, antes de tudo, uma associação estudantil, na qual alunos e professores pactuam em prol do fortalecimento da educação médica, abordando temas que muitas vezes são negligenciados pela rígida estrutura curricular das universidades. Cabe aos estudantes a definição dos rumos da LA, sob orientação de um ou mais professores. Desta forma, além de aulas, cursos, atividades de pesquisa e assistência em diferentes cenários da prática médica, é comum a inserção dos alunos na comunidade, por meio de atividades educativas, preventivas ou de promoção à saúde.
A estrutura argumentativa deste artigo toma como base quatro pressupostos:
a) o ensino superior é um espaço de construção ativa de conhecimentos e habilidades e não só um nível de ensino em que se aprende conhecimentos técnicos a serem aplicados em alguma profissão;
b) o feedback externo favorece a autogestão do conhecimento e, por extensão, a autorregulação da aprendizagem, ajudando os estudantes a repensar seus pontos fortes e fracos. O diálogo entre os pares é uma das estratégias que colabora para o estabelecimento de metas e objetivos internos e para o desenvolvimento de crenças de autoeficácia;11
c) os hábitos de saúde estão diretamente relacionados com o exercício de habilidades motivacionais e de autorregulação.12,13 Desse modo, o desenvolvimento de processos de autorregulação em estudantes de medicina pode colaborar para o desenvolvimento de processos de autogestão da saúde em seus pacientes, na medida em que o conhecimento dos riscos e benefícios de saúde cria a condição prévia para a mudança;13
d) as LA de medicina constituem espaços potencializadores dos processos de SRL nos cursos de medicina, entre outros aspectos, por congregar atividades de ensino, pesquisa e extensão.14
Com base nesses pressupostos, este artigo se propõe a analisar as potenciais contribuições da LA de Oncologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LiOnco-UERJ) para o desenvolvimento de estratégias de autorregulação da aprendizagem acadêmica e profissional, no que se refere à temática câncer. Este artigo caracteriza-se como uma revisão narrativa/crítica e, para fins de organização, foi estruturado em três seções, que discorrem sobre as seguintes questões: quais os desafios no ensino do câncer? O que é autorregulação e de que modo esse processo contribui para a aprendizagem acadêmica e profissional na graduação médica? Quais as interfaces entre as dimensões e fases da autorregulação e os estudos e práticas desenvolvidos pela LiOnco-UERJ?
CÂNCER: DESAFIOS NO ENSINO
Embora muitas vezes entendido como uma única doença, o câncer, na verdade, corresponde a um conjunto complexo de entidades clínicas diferentes, que apresentam em comum o fato de serem constituídas por um conjunto de células anormais, cujo crescimento não é coordenado e ultrapassa o crescimento dos tecidos normais, mesmo após a interrupção dos estímulos que deram origem a essa mudança.
15
Desde o início do século XX, o controle do câncer vem sendo pauta de discussões, com a implementação dos primórdios das políticas de controle no Brasil.
16 Foi no ano de 1922, em São Paulo, meses depois de uma reviravolta cultural com a Semana de Arte Moderna, que Fernando Magalhães apresentou o primeiro plano de combate ao câncer brasileiro, durante o Primeiro Congresso Nacional dos Práticos.
17
Ao mesmo tempo em que se consolidou como importante causa de mortalidade, a temática câncer firmou-se na cultura e imaginário popular. Foi tema de livros, poemas, filmes e dramas de telenovela e ganhou forma, conotação religiosa
18 e até eufemismos. Não é difícil encontrar alguém que prefere dizer "tal pessoa tem aquela doença ruim" ao invés de "tal pessoa tem câncer".
19 Kumar e colaboradores
20 afirmam categoricamente que "a única forma de evitar o câncer é não nascer". Para eles, "chega até a parecer que tudo que as pessoas fazem para ganhar a vida ou por prazer engorda, é imoral, ilegal ou, pior ainda, oncogênico".
20
Se, por um lado, as apocalípticas vias da carcinogênese apontam para um problema irremediável, diversos fatores considerados de risco foram listados, tornando-se importante foco para o controle destas doenças. Identificar e atuar diretamente nestes fatores - seja através de técnicas de prevenção, seja do diagnóstico precoce - representa, possivelmente, a tática mais eficaz para o controle do câncer. Neste cenário, é de fundamental importância a atuação do profissional de saúde, como ressaltam Abed e colaboradores.
21 Para os autores,
21 é fundamental que políticas de controle incluam profissionais que tenham conhecimentos quanto ao risco de câncer e ao manejo dos pacientes.
Com este entendimento, o Ministério da Saúde lançou uma proposta de integração ensino-serviço que começou a ser instalado no final dos anos 80 e tinha como público-alvo alunos de graduação de enfermagem e medicina. Tal proposta se concretizou através do Projeto de Integração Docente-Assistencial na Área do Câncer (PIDAAC), que tinha como objetivo difundir temas da cancerologia dentro dos currículos das universidades. Gaffan e colaboradores
22 mostraram que esta não é preocupação só do Brasil. Em uma revisão da literatura internacional, estes autores pontuaram que inúmeras metodologias de ensino estão sendo aplicadas nas mais diversas instituições para o aprendizado em câncer.
22
Muitos estudos mostraram que o ensino da cancerologia não é apropriado na maioria das escolas médicas em todo o mundo, principalmente em relação à prevenção, manejo do paciente e cuidados paliativos.
23 Com isto, saem perdendo os alunos, que vivenciam sua graduação incompleta, os pacientes, que muitas vezes deixam de ter o atendimento ideal, e o governo, que encontra dificuldades na implementação das políticas de controle do câncer.
Desta forma, iniciativas internacionais somam-se aos esforços em prol de uma formação que contemple as doenças neoplásicas sob foco generalista, fundamentando-se no rastreamento e na prevenção, como o Cancer Education Projects (CEP), que acontece na Califórnia,
24 e o Cancer Teaching and Curriculum Enhancement in Undergraduate Medicine (CATHCUM), no Texas.
No Brasil, entretanto, estas iniciativas encontram obstáculos nas rígidas estruturas curriculares das instituições superiores de ensino, principalmente nas universidades públicas. Sendo assim, ganham força as atividades extracurriculares,
25 que, mesmo não obrigatórias, fazem parte da formação do profissional. No entanto, o crescimento e a busca por essas atividades levam a reflexões sobre quais seriam os fatores relacionados a esse aumento.
Diversos estudos apontam para a relevância destas atividades na formação dos médicos brasileiros.
25,26,27 Taquete e colaboradores
27 verificaram que 93,7% dos estudantes entrevistados da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro tinham realizado pelo menos um estágio extracurricular durante a graduação. Para Tavares e colaboradores,
26 estas atividades são extremamente comuns e representam "parte importante do treinamento da maioria dos estudantes de medicina brasileiros, servindo claramente como complementação de seu treinamento sabidamente deficiente na maioria de nossas escolas". Dentre as atividades extracurriculares, incluem-se estágios externos, monitorias, programas de iniciação científica, projetos de tutoria e, mais recentemente, as LA.
Nos últimos anos, houve profundas mudanças na sociedade brasileira, as quais influenciaram as abordagens de atenção à saúde e de reformas curriculares, além de fortalecer o aparecimento das LA. Entre elas vale mencionar a Constituição de 1988, que instituiu o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Outro fato marcante foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
28 promulgada em 1996, que definiu o papel da educação superior na prática, destacando o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo presente, assim como os nacionais e regionais. O resultado prático seria evidenciado na prestação de serviços à comunidade e no estabelecimento de uma relação de reciprocidade com a mesma.
Neste sentido, as atividades de extensão universitária procuram fazer com que pesquisas e estudos acadêmicos cheguem mais rapidamente à comunidade por meio da prática profissional.
29 No ensino, as LA visam a capacitação dos estudantes para a atuação com a comunidade e para o desenvolvimento de novos conhecimentos e a produção científica. Objetiva o desenvolvimento do "saber fazer" e acontece por meio de aulas, palestras, discussões de caso, grupos de estudos, simpósios etc.
Deve-se ressaltar, no entanto, que as LA não têm por objetivo uma especialização precoce, mas, sim, complementar uma formação que a estrutura curricular não é capaz de promover, sempre visando o conceito atual de saúde e a formação generalista.
30 A pesquisa fundamenta-se tanto em levantamentos epidemiológicos quanto em atividades próprias de pesquisa básica e aplicada, focando a produção de conhecimento a partir de observação de um fato, levantamento de literatura associada e de tentativas de solucionar problemas. A extensão corresponde à interface estudante-comunidade, tornando o aluno um agente de promoção de saúde e transformação social.
Portanto, as LA também representam um elemento para construção da cidadania, formando indivíduos mais críticos com uma visão social mais humanista. As atividades extensionistas das LA se dirigem à promoção em saúde e prevenção de doenças, sempre considerando a realidade do público-alvo. Aqui, observa-se outro ponto importante: o foco na medicina preventiva, muitas vezes deixada em segundo plano nos currículos tradicionais. Busca-se orientar quanto a hábitos de vida saudáveis, tendo a compreensão do indivíduo não como uma entidade meramente biológica, abandonando-se a medicina focada nos processos patológicos.
31
Desta forma, as LA representam um espaço de vivências que superam o simples assistencialismo sendo, na verdade, uma troca de aprendizado entre os futuros profissionais médicos e a comunidade, objetivando a busca por produtos palpáveis que atendam as demandas da população
32 e a formação de um profissional apto a empregar uma medicina mais humanizada e condizente com as verdadeiras necessidades dos brasileiros.
AUTORREGULAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA A APRENDIZAGEM ACADÊMICA E PROFISSIONAL NA GRADUAÇÃO MÉDICA
De acordo com Zimmerman,
33 os estudos sobre a autorregulação emergiram na década de 80 e têm como questões centrais a proatividade pessoal, a perseverança e a habilidade de adaptação. Embora não exista uma definição consensual para o constructo de autorregulação da aprendizagem,
34 as grandes abordagens que se propõem a investigar essa temática concentram suas discussões ora em aspectos externos, ora em elementos internos para explicar o processo de aquisição, organização e transformação das informações.
Dentre as teorias existentes, adotamos neste artigo a Teoria Social Cognitiva,
35 através da qual defende-se que o comportamento do indivíduo resulta do determinismo recíproco indivíduo-ambiente. Para Bandura,
35 "as pessoas são, em parte, produtos dos ambientes em que vivem, mas, ao selecionar, criar e transformar suas circunstâncias ambientais, elas também produzem esses ambientes".
O processo de autorregulação está intimamente relacionado a três subprocessos denominados auto-observação, autojulgamento e autorreação.
35,36 A auto-observação fornece informações relevantes sobre o que o sujeito sabe e se o que ele sabe atende ou não às necessidades e expectativas da situação. O autojulgamento é o subprocesso através do qual o indivíduo avalia seu próprio comportamento em função de padrões e comportamentos referenciais que tem como fonte de comparação padrões normativos sociais, pessoais e coletivos. Segundo Polydoro e Azzi,
36 "cada indivíduo seleciona, resgata e utiliza diferentes referências, que são construídas em suas trajetórias de troca social e comportamental e personalizadas como padrões pessoais". A comparação entre os comportamentos prévios e os comportamentos em curso serve como parâmetro para que o indivíduo perceba se suas ações são apropriadas, insatisfatórias ou neutras.
O terceiro subprocesso, denominado autorreação, é responsável pela mudança do comportamento a partir das reações de autossatisfação, autoinsatisfação ou autocrítica.
35,36,37 Desse modo, quando o sujeito julga que seu comportamento produziu uma resposta favorável, tende a sentir-se gratificado e motivado em empenhar esforços para produzir resultados similares. Por outro lado, os resultados insatisfatórios ou insuficientes também podem servir como fonte de motivação para mudanças no comportamento, na medida em que o sujeito acredita que pode alcançar resultados melhores do que os que alcançou.
Neste sentido, o ambiente interfere e colabora para o desenvolvimento da auto-observação, do autojulgamento e da autorreação, fornecendo elementos para a construção dos padrões internos. No caso da formação acadêmica, as vivências acadêmicas e as experiências vicárias também constituem fontes de evidências que servem como parâmetro para a criação de padrões pessoais de julgamento.
Segundo Nicol & Macfarlane-Dick,
11 "a autorregulação se aplica não apenas para a cognição, mas também às crenças motivacionais e comportamento manifesto". As tarefas apresentadas pelos professores constituem uma espécie de "gatilho" dos processos de autorregulação dos estudantes. Ao se depararem com a tarefa, os estudantes constroem interpretações particulares do que se espera dele, fazem uma autoavaliação dos seus conhecimentos prévios, suas crenças motivacionais para realizá-la e estabelecem as próprias metas. Neste ínterim, os alunos analisam o quanto as metas propostas pelo professor se aproximam das suas próprias metas e se os resultados que pretendem alcançar têm origem interna (eles realmente têm interesse em realizar a tarefa e aprender algo a partir dela), ou externa (pretendem cumprir o que foi determinado pelo professor como uma simples necessidade acadêmica). Para Nicol & Macfarlane-Dick,
11 "o monitoramento dessas interações com a tarefa e os resultados que estão sendo cumulativamente produzidos geram
feedback interno em uma variedade de níveis (ou seja, cognitivo, motivacional e comportamental)".
De acordo com o modelo teórico apresentado por Zimmerman,
33,37 a autorregulação é um processo cíclico constituído por três fases interconectadas. Vários estudos
8,33,36 apontam que os estudantes autorreguladores da própria aprendizagem apresentam maior habilidade de gerir os conhecimentos, o tempo e os recursos, empenhando-se autonomamente na construção de estratégias que os permitam desenvolver e aprimorar suas competências e habilidades. A autorregulação
pressupõe o desenvolvimento e a mobilização de mecanismos de motivação profunda, através dos quais os estudantes buscam não só compreender o significado do que aprendem como, também, integrar as novas aprendizagens aos conhecimentos já existentes, tornando a compreensão mais robusta.
8,33,36,38
As crenças de autoeficácia são mais um elemento-chave para a compreensão do processo de autorregulação. Segundo Polydoro e Azzi,
36 a autoeficácia influencia a capacidade do indivíduo de persistir diante das adversidades, esforçar-se para manter o autocontrole diante de atividades pouco atrativas e "resistir à pressão social para agir de forma contrária aos padrões pessoais". Considerando o caráter coletivo das relações sociais, é possível afirmar que as crenças de autoeficácia são "um constructo pessoal e social", que corroboram para o desenvolvimento de um "sentido de eficácia coletiva".
35 As relações entre professores e alunos e entre os próprios alunos são, portanto, uma fonte incomensurável de aprendizagem social.
Nicol & Macfarlane-Dick
11 argumentam que o diálogo entre os pares favorece o sentimento de autocontrole sobre a aprendizagem e destacam quatro motivos em especial: a adequação e o grau de acessibilidade da linguagem; a possibilidade de troca e apresentação de diferentes visões sobre problemas, táticas e estratégias, analisando e reformulando hipóteses e construindo novos conhecimentos e significados através da negociação; o desenvolvimento da capacidade de realizar a análise das próprias produções e das produções do outro e, em quarto lugar, a motivação recíproca baseada no diálogo.
Além da educação e do ensino, a saúde figura entre os domínios de investigação da autorregulação, tendo como foco o desenvolvimento de comportamentos ligados ao autogerenciamento do comportamento saudável.
12,36,38 Essas pesquisas partem da premissa que os fatores cognitivos contribuem para a adoção de comportamentos saudáveis e que as comunicações de saúde, feitas pelos profissionais da saúde, devem agir sobre o envolvimento do sujeito com o controle e a prevenção da própria saúde.
Meyerowitz e Chaiken
39 relatam quatro casos em que as comunicações de saúde podem alterar hábitos: transmitindo informações que relacionam hábitos à vida saudável; provocando o medo da doença; estimulando os sujeitos a perceberem que riscos estão correndo; ou aumentando as crenças de autoeficácia para empreender mudanças de hábito e adotar estilos de vida saudáveis. Bandura
13 esclarece, ainda, que "a qualidade da saúde de uma nação é uma questão social, e não apenas uma questão pessoal". É fundamental, neste sentido, a sensibilização da população sobre as condições que afetam a sua saúde e a realização de ações coletivas para melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas.
INTERFACES ENTRE AS DIMENSÕES E FASES DA AUTORREGULAÇÃO E OS ESTUDOS E PRÁTICAS DESENVOLVIDOS PELA LIONCO-UERJ
Dentre as LA, as ligas de cancerologia tentam preencher as lacunas existentes no ensino do câncer ao longo da graduação médica, através de cursos teórico-práticos, atividades de pesquisa e extensão, tendo foco na formação generalista com ênfase nas manifestações clínicas, salientando o diagnóstico precoce e as repercussões das doenças, seguindo propostas do Global Core Curriculum in Medical Oncology.
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A integração plena da tríade ensino, pesquisa e extensão se dá através das atividades desenvolvidas pela LA, durante as discussões de artigos científicos, publicação de conhecimentos científicos produzidos pelos estudantes e atividades de educação em saúde, com foco na prevenção do câncer junto à população. Defende-se, desse modo, que o ligante da LiOnco-UERJ que faz uso de estratégias autorregulatórias no próprio processo de aprendizagem pode vir a favorecer o desenvolvimento de estratégias autorregulatórias em seus futuros pacientes, na medida em que essas estratégias colaboram para a mudança de uma cultura de tratamento para uma cultura de rastreamento e prevenção do câncer.
A LiOnco-UERJ tem contribuído, ao longo dos sete anos de sua existência, para a estruturação de ambientes que favorecem o desenvolvimento das etapas de autorregulação da aprendizagem e estimulam as crenças de autoeficácia através das atividades que realiza, tanto dentro (palestras, estudos etc.) como fora da instituição (atividades extensionistas). Isto se dá através das experiências vicárias (observação dos mais experientes) e das próprias vivências proporcionadas pelas atividades das LA.
De modo geral, as LA representam hoje uma expressividade marcante dentro do ensino médico no Brasil. Marcam as lacunas da estrutura curricular e apontam para verdadeiras necessidades da sociedade, nem sempre contempladas ao longo dos tradicionais seis anos de graduação. Além disso, ressaltam o papel ativo do aluno na construção do conhecimento, tornando a universidade um verdadeiro espaço para a construção da aprendizagem ao longo da vida. Representam um campo no qual se constroem novos papéis e novas aplicações para uma sociedade nova, marcada pela globalização e pela grande dinâmica social e demográfica, com constantes e novas demandas coletivas e individuais. Contribuem para o exercício da cidadania, a humanização da medicina e possibilitam a aplicação prática do profissional médico apto a trabalhar em equipe, lidando com todos os ramos profissionais da área da saúde. Da mesma forma, permitem a aquisição de conhecimentos da área de administração, tão necessários no atual mercado de trabalho, através da responsabilidade dos discentes de gerir o caminho das LA. Pensando o processo de autorregulação a partir das atividades realizadas pela LiOnco-UERJ, estruturamos um quadro que caracteriza as fases e os subprocessos de autorregulação da aprendizagem.

A própria participação na LA significa o primeiro passo do estudante na busca do não negligenciamento da sua formação. No que se refere à fase prévia, busca-se o estabelecimento de metas e a análise das próprias capacidades e recursos ambientais. Segundo Veiga Simão e Frison,
34 "o processo de fixar metas é um dos mais importantes na aprendizagem autorregulada, em virtude de estas servirem de ponto de referência de orientação das ações subsequentes". Já na fase de execução e controle, o sujeito desempenha a tarefa propriamente dita, monitora os próprios processos e delibera sobre a necessidade ou não de mudanças no percurso, caso as estratégias adotadas não sejam suficientes para que as metas traçadas na fase prévia sejam alcançadas. Esta fase é composta pela auto-observação e pelo autocontrole. A terceira fase é a autorreflexão, que "refere-se às reflexões e às reações do indivíduo uma vez terminada a tarefa. É a fase de avaliação".
34 A partir dos resultados estabelecidos, o sujeito verifica quais os efeitos das decisões tomadas e reflete sobre a adoção de novas estratégias que aproximem os obtidos resultados dos objetivos traçados.
Desse modo, participar da LiOnco pode fornecer informações relevantes sobre o que o estudante sabe a respeito do câncer e se o que ele sabe atende ou não às necessidades do cotidiano das atividades do médico. Todo processo de planejamento das atividades da LA possibilita uma análise das condições de aprendizagem referentes à cancerologia e favorece o reconhecimento e o estudo de conteúdos que não estão presentes na grade curricular, mas que são necessários para atender às demandas do mercado de trabalho. Desse modo, o fato de adquirir conhecimento e poder atuar junto à comunidade, abordando situações de saúde relevantes e passíveis de prevenção, aumenta a possibilidade de dar sentido ao processo de aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo se propôs a analisar as potenciais contribuições da LA de Oncologia para o desenvolvimento de estratégias de autorregulação da aprendizagem acadêmica e profissional, no que se refere à temática câncer. Consideramos de suma importância incluir o reconhecimento das atividades de extensão como importante ferramenta para se trabalhar prevenção e educação em saúde da população, que é responsabilidade do médico e também não é abordado no currículo do curso de ciências médicas da instituição.
Na UERJ, assim como em boa parte das instituições de ensino, é dada pouca atenção ao controle do câncer na educação médica.
3,14 Reconhecendo a contradição estabelecida a partir do aumento do número de diagnósticos e mortes provocadas por esses grupos de doenças sem que os profissionais estejam devidamente capacitados para a abordagem das mesmas, a UERJ desenvolve atividades extracurriculares que visam contribuir para diminuir as lacunas existentes na formação do futuro médico neste sentido, dentre as quais destacamos a LiOnco.
A LiOnco-UERJ tenta preencher essa lacuna através de um curso teórico e prático, focando o estudo do câncer tanto no aspecto molecular quanto epidemiológico, assim como nos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos (curativos e paliativos). Além disso, aborda as neoplasias mais frequentes no Brasil, com discussão de casos clínicos e contato com publicações recentes. Os temas são apresentados com foco na formação generalista e ênfase em prevenção, diagnóstico precoce, rastreamento e manifestações clínicas. O curso se desenvolve tentando manter o binômio teoria-prática com atividades ambulatoriais e laboratoriais, seguindo as propostas do Global Core Curriculum in Medical Oncology.
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Podemos enfatizar, desse modo, a importância da LiOnco e da disciplina Educação e Saúde no contexto do processo de autorregulação da aprendizagem como possíveis parcerias de sucesso para a aprendizagem significativa. Concluímos que a LA não deve suprir demandas curriculares. A universidade deveria fornecer, na formação inicial do médico, os conhecimentos necessários para o rastreamento, prevenção e tratamento de câncer, não deixando a LiOnco como o único espaço de aprendizado, reflexão e discussão da temática câncer, uma vez que a LA não consegue alcançar todos os alunos da universidade.
No que se refere à revisão dissertativa aqui apresentada, a abordagem do câncer pela LiOnco pretende sanar uma lacuna curricular de uma doença presente no cotidiano do médico, no dia a dia no consultório.
Ao rastrear e prevenir o câncer, o médico atua como educador. E as repetições das práticas oriundas da sala de aula tendem a não ter bons resultados, uma vez que o paciente não consegue significar as informações transmitidas pelo médico, e a prevenção fica no discurso. Assim sendo, o médico se reconhecendo como educador, tende a realizar a transposição didática, transformar a linguagem médica em uma linguagem acessível ao paciente, para que ele possa significá-la e levá-la para o seu cotidiano.
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